segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O PLANO DO PLANO – A AG PARA TERMINAR COM TODAS AS AG’S



Retirado do Blog A Norte de Alvalade, um exelente texto por parte do user JL, que passamos a transcrever na íntegra:

"Sportinguistas,

É com coração pesado que escrevo este post, numa altura em que se sabe já o desfecho da AG de 13 de Outubro de 2009, dia que, de tão mau agoiro ameaça ser, bem podia ter sido Sexta-Feira.

Começo por agradecer aos Caríssimos editores do blogue o simpático convite para vir deixar neste salutar espaço de debate Sportinguista a minha visão do que foi, podia ter sido e, creio, será o SCP.

É importante que se tenha em consideração que a Assembleia Geral de dia 13 de Outubro (“AG”) foi das mais importantes de sempre da história do Clube.

Nela decidiu-se o direito a usar o nome Sporting Clube de Portugal deve ser do Sporting Clube de Portugal ou não.

Nela decidiu-se se a SAD deve ser, de uma vez por todas, um veículo societário ao serviço dum Clube centenário ou se o Clube centenário deve suportar até gota de sangue não lhe restar os caprichos comerciais duma sua empresa.

Numa escala maior, decidiu-se o a prioridade de sobrevivência das instituições: Se for preciso sacrificar uma para salvar a outra, qual sobrevive?

A este respeito, cumpre salientar que é inaudito na história da prática comercial Portuguesa uma entidade detentora assumir a posssibilidade de se descapitalizar até ao osso e fazer perigar a sua existência para sustentar uma sua participada.

Dirão os mais objectivos que apenas se decidiu a passagem de um activo do Clube para a SAD.

Na minha modesta opinião, esta AG pintou um retrato preocupante daquilo que é a nossa realidade hoje, senão vejamos:

Decidiu-se muito mais. Decidiu-se o futuro. Mais concretamente, decidiu-se não ter futuro.

E tudo em nome do Plano de Reestruturação Financeira (“Plano”).

Antes de entrarmos na discussão do Plano, urge fazer duas notas:

a) Para não tornar o post ainda mais insuportavelmente longo do que é, por Plano deve-se entender a parte do Plano que foi aprovada na AG, i.e., a passagem da Sporting Comércio e Serviços para a SAD; e

b) De “numerologia” já estaremos todos saturados, e essa acaba por ser irrelevante, até porque do prisma financeiro, o Plano equivale a, na prática, urinar para um fogo florestal na esperança de assim o apagar.

Dito isto, venho hoje discutir as condições “climatéricas” por detrás da AG e em que medida estas revelam a convicção e conhecimento dos Sócios quanto à aprovação do mesmo.

O Plano enfermou desde nascença de vários males que sempre deveriam ter minado a sua credibilidade e deveriam ter ditado um “Não”, nem que fosse em nome dum “Sim” posterior, senão vejamos:


1. O Plano enquanto Monólito

O Plano foi, desde que surgiu nas bocas da nação Sportinguista com aura sebastiânica, uma inevitabilidade.

“É o único Plano”; “Não há vida para além do Plano”; “Se não aprovarem o Plano, seremos devorados pela besta negra da Banca”.

Estas e outras aleivosias assumiram, ao melhor estilo de Goebbels, o carácter de mentira que, tantas vezes repetida, se tornou verdade.

É preciso ter presente que o Plano nasce duma recusa assumida pelo anterior Presidente em renegociar com a Banca ou em procurar outra instituição bancária com que negociar a compra da dívida em condições mais vantajosas.

Assim, o Plano passa de monólito, de única tábua de salvação da SAD e do Clube num capricho do “menino” Soares Franco, que não quer afrontar os amigos, até porque, conforme afirmou a respeito de outros diferendos: “não tenho feitio para discutir”.

Dirão os mais críticos: “mas ninguém apareceu com outra solução!” O problema é que isso não corresponde à verdade.

Da renegociação com os bancos com que o SCP trabalha até à procura de outros bancos para trabalhar, passando pela titularização da dívida, várias outras opções surgiram.

Mas todas esbarraram em argumentos como “Pois, mas este Plano está pronto e se não agimos depressa, os Bancos levam tudo” ou “Pois, mas o Plano é melhor”.

Aos defensores mais empedernidos do Plano, pergunto sem sofisma: Quando é que o Plano foi debatido com abertura a alternativas a ele próprio?

A este respeito, cumpre salientar que se assistiram a melhoras. Do despeitado Franco que, confrontado com o chumbo do Plano, vociferou: “E eu é que tenho que mudar o Plano?!” passámos ao cândido Bettencourt que sempre afirma: “Há outras soluções, mas esta é a que está disponível a curto prazo”.

Se o Presidente admite que o Plano não é a via única, porquê tomá-lo como tal? E se o tomamos como tal por ser o único disponível AGORA, porque não se contemplaram outros desde início?

Aprovado que está o Plano, a pergunta cai para o academicismo.


2. O Plano enquanto “Cheque em Branco”

É importante manter presente que a SAD é uma sociedade comercial cotada em Bolsa, e que, como tal deve, ou devia, ser pautada por valores de rigor, transparência, responsabilidade e responsabilização dos seus orgãos dirigentes.

O Plano é a mais recente paragem na “via dolorosa” que tem sido a passagem de património do Clube para a SAD. Muito património foi passado, a pretexto da sustentabilidade da SAD e do Sporting Europeu, que ganha 3 campeonatos em cada 5, conforme vaticinou o pai de todo o “monstro”, José Roquette.

Sucede porém que, em 2009, a SAD apresenta um passivo gargantuesco sem contrapartidas ou resultados desportivos que o justifiquem. O património, esse, esfumou-se, perdido entre resmas de papel, e o seu produto anda ausente em parte incerta, com a única certeza a ser que não serviu para engrandecer o Clube conforme foi prometido.

Assim, chegados a 2009, temos que encarar o facto de que o buraco financeiro foi feito por pessoas. De melhor ou pior fé, mais ou menos competentes (na generalidade menos), mas pessoas.

Temos ainda que encarar que as mesmas pessoas que cavaram este buraco são as que nos pediram o sangue do Clube novamente na AG.

Pergunto eu: não se devia exigir uma sindicância da actuação destas pessoas ANTES de lhes dar mais património?

Não se trata de caçar bruxas, não se trata de apontar dedos. Trata-se de “corporate governance”, de garantir aos Sócios que o risco de má gestão futura deste activo é mínimo, por não ter existido má gestão passada dos outros.

A este respeito, Bettencourt é lapidar. Não se audita nada. O passado não interessa, e se erros houve, são para varrer para debaixo do tapete e não mais pensar neles.

É uma questão de fé, de confiança, dirão alguns. Face aos resultados da SAD e olhando para o património de que esta já dispôs, pergunto eu: como se pode ter confiança?

Mais, se não há motivos para desconfiar, não seria uma auditoria um poderoso instrumento pacificador, um lavacro purificador de onde JEB e a DIrecção sairiam ultra-legitimados sob a bandeira da transparência?

Aprovado que está o Plano, a pergunta cai para o academicismo.

3. O Plano Que nos foi Apresentado

O Plano foi vendido aos Sócios antes da AG como a última hipótese de sonhar com competitividade, estabilidade, e, a julgar pelo miserabilismo do Presidente, dignidade.

O Plano foi, sem papas na língua, apresentado sem valores. A generalidade dos Sócios ignora por que valores foi a SCS passada para a SAD, ignorando consequentemente QUANTO saiu da esfera patrimonial do Clube com esta passagem.

Esta não é a maneira de apresentar um Plano desta magnitude. Ocultando valores, apelando à necessidade basista de correr atrás dos outros, prometendo aumentos de investimento no futebol, depois subsequentemente mitigados ou desmentidos no dia da AG, i.e., já formadas as convicções, arvorando o caos como desfecho inevitável caso o Plano não seja investido na condição de salvador da pátria.

Um Plano destes apresenta-se com verdade, com números, com implicações práticas e concretas nas manifestações do SCP que os Sócios vivem, sentem e com que vibram.

Não tenho dúvidas que se Bettencourt tivesse, atempadamente, avisado do impacto apenas marginal do Plano no e.g., futebol, outro galo facilmente cantaria. Acho que ninguém tem. Um Plano que prometa craques é popular e passa. Um que não…não.

Assim, o Plano foi apresentado aos Sócios, que entraram para a AG para sobre ele decidirem, como um Finisterra medieval: dentro dele, a salvação. Para além dele, o abismo.

Convenhamos que não são pressupostos que encorajem o debate, e que, pelo contrário, predispõem à aprovação.

4. A Assembleia Geral do Plano

Se até aqui usei de alguma contenção, é aqui que ela se esgota. Porque, franqueadas as portas da AG, a lógica ficou à porta e só resta espaço para a pressão de parte a parte, o insulto, e um dos maiores exercícios de futilidade que alguma vez vi, ao ponto de me perguntar até que ponto o modelo de AG do SCP tem alguma semelhança com o associativismo.

Os Sócios estão divididos em guerra fractricida. De um lado, os situacionistas, que arvoram os 90% que elegeram Bettencourt como uma panaceia para todos os males que, na sua convicção, tudo desculpa, tudo perdoa, tudo permite. Para os situacionistas, a minoria deve acabar. Por ser minoria, é uma “quantité negligéable” que se deve subsumir ao juízo maioritário.

Os situacionistas assumem hoje a posição: “como vocês são menos, não vos temos que ouvir”.

Do outro, os oposicionistas, fartos de tudo. Fartos da incompetência, da falta de controle sobre a gestão da SAD, de terem que vir a AGs passar património porque a SAD só perde e não ganha, fartos do mau futebol, de ficarem em segundo, e, acima de tudo, fartos de estarem fartos de tanta coisa.

E este é um status quo que temo ser insanável. Ache Bettencourt e os 90% o que acharem, esta Direcção não é consensual. Sendo legítima, não é representativa. Tem 90% dos votos, o que representa sensivelmente 8.000 pessoas. O SCP é bem mais e que une 8.000 pessoas não pode pretender ter unido todos os Sportinguistas.

Não discuto que só votou quem votou e é esse o universo a ter em conta. Mas, se são só 10.000 os que votam, são bem mais os que se revoltam.

E foi neste clima que se iniciaram os trabalhos da AG: guerra surda.

Não pretendo fazer um relato exaustivo da AG, por isso, deixo apenas os pontos que, para mim, merecem nota. Quem esperar imparcialidade no registo, deverá passar à frente.

Num contexto em que se desconhecem os contornos fácticos do Plano, acho inenarrável o Presidente ter perdido tempos infindáveis a listar o seu currículo. Quem foi votar não sabe dos méritos do Plano, mas sabe dos do Presidente. O motivo é lapidar: “Não se preocupem se o Plano é bom. Eu sou bom, é o que vos interessa”. Não é bem assim, Sr. Presidente.

Acho inacreditável ouvir justificações de voto como “com isto temos mais dinheiro para o futebol” ou “se eles acham que é preciso…”

No geral, a AG do Plano mostrou ser pouco em torno do Plano e mais em torno dos seus fautores.

Por tudo isto, pela falta de informação, discussão, tolerância e conhecimento das matérias, a AG do Plano merece entrar para os livros como um exemplo claro de como NÃO fazer uma AG, da AG que não se deseja nem para decidir a cor das paredes das casas de banho do Estádio.

Para decidir, é preciso conhecer. E, digo-o sem reservas, quem decidiu não conheceu. E não conheceu porque não lhe foi dado a conhecer, o que não serve de desculpa, porque nestas coisas, ensinam os pais às crianças: se não se sabe de onde veio e por onde andou, não se mexe. Sejam cães, doces ou Planos.

Friso: a questão é menos se o Plano é bom ou mau. A questão é que ninguém sabe o que é o Plano. E, na dúvida, seguiu-se a irresponsabilidade de o aprovar.

5. E Depois do Plano?

Agora que o Plano está aprovado, é o momento de para ele olhar desapaixonadamente:

O Plano representa, em traços largos, a assunção pela SAD de que anda nua.

Assim, apanhada nua na rua, a SAD vai ao já vazio estendal do Clube buscar roupa com que tapar as partes pudendas e poder caminhar novamente pela rua sem despautério.

O problema é que a SAD tem uma tendência relapsa para perder a roupa que tem no corpo, tendência essa que tem sido suportada pelo estendal do Clube.

Atenta a nudez despudorada da SAD, é de temer que brevemente esta desfile nua pela rua, desta feita de braço dado com o Clube, levado também ele à nudez.

Assim, é de prever que a SAD depois de vestir a SCS, queira vestir a Academia. E depois de vestir a Academia, queira vestir Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis (“VMOCs”). E depois de vestir VMOCs, queira vestir o Estádio.

Durante este percurso, nem uma vez a SAD foi instada a arranjar a sua própria roupa. E o Clube, que passou 103 anos a fazer enxoval, acaba também ele nu.

Porque um dia, a roupa acaba-se.

Bettencourt já avisou que o Plano “é fundamental, mas não suficiente”. Trocado por miúdos, quer isto dizer que a SAD quererá mais património, mais roupa, mais tudo.

A juntar a isto, a Direcção já faz saber, numa sandice situada algures entre a má-fé e o desconhecimento, que a passagem da Academia para a SAD e a emissão de VMOC foram já aprovadas, pese embora não terem reunido a necessária maioria estatutária e legal de aprovação. Aparentemente, a Direcção decidiu levar a sério a tese dos “omnipotentes 90%” sufragada pelos seus arrogantes acólitos.

Tudo somado, a vida depois do Plano afigura-se sombria para o SCP, que corre o sério risco de deixar de existir como o conhecemos e como um dia o sonhou o seu fundador.

Depois do Plano, teremos mais “um cheirinho” de dinheiro para investir no futebol, mas apenas na próxima época, pelo que esta deverá ser já para esquecer, o que aliás a realidade indicia de forma clara e dolorosa.

No meio de tudo isto, umas últimas perguntas académicas:

E o Sporting Clube de Portugal, que ganhou com o Plano?

Que ganhou com anos de gestão incerta de património?

Como é possível termos saído de casa para passear a SAD pela trela e voltarmos a casa pela trela da SAD?

É que por mais que me digam que é tudo igual, eu sou é do Sporting Clube de Portugal. E esse, depois da AG, ficou mais pobre, mais vazio, mais pequeno, mais dependente. E em nome ninguém sabe bem de quem ou de quê.


6. Conclusões e Nota Pessoal

4 meses volvidos sobre a eleição do pseudo-pacificador Bettencourt, o Sporting está pior. Mais pobre, mais dividido, mais desconfiado de si e dos seus, com o Estádio despido como sinal funesto da nudez generalizada e atroz que metaforizo em cima, a equipa de futebol um espelho do desalento da massa adepta, o treinador um espelho do autismo da Direcção, a Direcção um espelho de nós próprios: fria, desapaixonada, pouco exigente, acomodada, e esquecida do que um dia fomos e pouco empenhada em que o possamos voltar a ser.

Bettencourt chegou sob a égide na mudança na continuidade, seja isso o que for. Nada mudou. As pessoas as mesmas. A incompetência e o laxismo, os mesmos. Os resultados práticos são piores.

Prometeu plantel fechado a tempo horas. Não cumpriu.

Prometeu reforços para entusiasmar. Não cumpriu.

Prometeu emagrecer a estrutura directiva. Criou mais dois orgãos em 4 meses.

Prometeu ser o Presidente de todos os Sportinguistas. Mas se discordarem dele e não tiverem as quotas em dia, contem com a farpa na imprensa. Mesmo que isso seja ilegal.

Prometeu o fim do discurso do coitadinho. Não cumpriu.

Cumpriu uma: traz mais Sócios, geralmente à Segunda-Feira. Mas quando um desses Sócios assina um mês depois pelo arqui-inimigo de Carnide, dá que pensar até que ponto é que a única promessa cumprida por Bettencourt não passa duma operação cosmética.

Como ponto final, Bettencourt não é a fonte de todos os males. Já lá andava há anos e já sabíamos ao que íamos.

A fonte de todos os males somos nós. Por darmos sem pedirmos nada em troca. Por darmos tempo quando o futuro é hoje. Por darmos dinheiro sem perguntarmos o que se faz com ele. Por aceitarmos que um grupo de amigos governe há anos um Clube que é nosso.

Eu tenho culpa no Sporting que temos hoje. Assumo-a. Não dei por ele que chegue, não dei alternativas, não remei com força suficiente contra esta voragem, vi mais tarde embustes que devia ter visto mais cedo.

E agora, é tarde. A AG foi a AG para acabar com todas as AG’s. Entrando-se num rumo de inexorabilidade de transmissão do património do Clube para a SAD, quebra-se a possibilidade dos Sócios intervirem activamente na política do Clube, que é determinada necessariamente pelo dinheiro. Essa subiu ao éter da AG de accionistas da SAD. Os Sócios tornaram-se, depois da AG, um bocadinho mais dispensáveis na vida do Clube e o Clube é um bocadinho menos composto pela universalidade dos seus associados, conforme rezam os estatutos.

Vamos ver onde vai acabar. Só o amor me impede ver que vai acabar mal. E depressa.

Um abraço a todos, com o desejo sincero de que não se perca o que nos une: o Sporting Clube de Portugal.

JL"

1906

Luta & Resiste!

1 comentário:

VaideMota disse...

Li integralmente o texto e confesso que me espanta que um texto como este tenha o primeiro comentário (espero eu aceite) por um adepto do Benfica.
Acho admirável a coragem deste adepto que com uma sinceridade e simplicidade desarmante me fez perceber os reais problemas de um dos principais clubes da minha cidade.
Confesso também que não sei se me consigo distanciar com esta facilidade da realidade do meu clube, sabendo eu que nem tudo é belo como o presente pode querer indicar. É tão mais fácil celebrar as vitórias e distanciar-mo-nos quando as coisas tão más.. até porque cedo vão estar melhores.. e 'para o ano é que é'.
Este meu comentário procura apenas reconhecer o mérito da escrita e esperar que mais adeptos (sejam de que clube forem) ao lerem este texto entendam o que se passa no SCP. Algo que com a maior das facilidades pode acontecer a qualquer outro clube.
Gostava também que mais pessoas que pensam assim tivessem mais força para falar, para mexer e para agir.

Abraço!