segunda-feira, 8 de março de 2010

BES a face oculta


Grupo Espírito Santo já está em mais de 400 empresas - Economia - PUBLICO.PT

"O grupo emprega mais de 20 mil pessoas e vale mais do que as duas holdings criadas para concentrar parte dos activos financeiros e não financeiros, que valem mais de sete mil milhões de euros: cerca de cinco por cento do PIB português.

Apesar de Ricardo Salgado não ser o líder do GES, presidindo apenas ao BES, ele é a figura de proa, considerado o artífice de uma estratégia sustentada numa rede empresarial, que abrange mais de 20 países. E que tem extensões a centenas de sociedades que nascem de holdings sediadas na Suíça e no Luxemburgo e que, pelo facto de não estarem dentro do perímetro de consolidação, têm facilidade em realizar operações cruzadas. Este foi, aliás, um dos pontos, entre vários, que o Instituto Português de Corporate Governance (IPCG) procurou regulamentar no Código do Bom Governo das Sociedades. A iniciativa foi chumbada o mês passado pelas empresas que integram o PSI20, num movimento aparentemente liderado por Ricardo Salgado.

Entre as prioridades do grupo estão investimentos não só em Portugal, mas ainda Espanha, Brasil e Angola. No centro desta estratégia de expansão está o BES, o que reforça a capacidade de endividamento das empresas do universo do grupo e permite estender os seus interesses a todo o lado, por vezes em aliança com o sector público. É vasto o conjunto de negócios que se cruzam com o Estado, como o turismo, imobiliário, agro-pecuária, saúde, defesa, passando ainda pelas utilities, sectores cuja acção depende de decisões governamentais.

Em declarações ao PÚBLICO, os ex-ministros Luís Mira Amaral e Jacinto Nunes elogiam a estratégia do grupo que tem resultado num crescente poder na economia e sociedade portuguesa. Os dois ex-ministros salientam ainda o facto de a importância do BES ter saído reforçada com a queda de Jardim Gonçalves no BCP e a luta de poder no maior banco privado.

Os problemas com a justiça

À medida que os interesses da família se expandem, maiores são as dores de cabeça. Nos últimos anos as instalações do banco e de empresas do grupo, assim como casas de dirigentes, foram alvo de buscas policiais, com o nome de empresas do GES e o próprio banco a aparecerem associados a investigações em Portugal, Espanha, Brasil e EUA. Em Portugal, além do caso Portucale e das averiguações às contrapartidas com submarinos, o BES (BCP, BPN e Finibanco) surge no centro da Operação Furacão, a maior investigação de sempre à criminalidade económica em Portugal. Em causa estão eventuais crimes fiscais, baseados num esquema de fuga ao fisco, desenhado pelo banco. Américo Amorim é um dos clientes do BES ouvido pelas autoridades, a quem explicou que possui "contactos de muitos anos com o BES e outra empresa do grupo, a Erger", especializada em planeamento fiscal.

Em Espanha, o juiz Garzon ordenou buscas às instalações do BES em Madrid, no quadro de uma investigação que envolvia clientes do banco que eram figuras de topo da sociedade espanhola. Mas o processo foi arquivado. No Brasil, o BES surge mencionado nos inquéritos parlamentares ao caso mensalão. Ricardo Salgado foi ouvido pela justiça como testemunha a pedido das autoridades judiciais brasileiras, mas negou ter sido contactado para financiar o PT de Lula da Silva. Outros nomes que são referidos são os de António Mexia, convocado enquanto ex-ministro das Obras Públicas, e do antigo chairman da PT Miguel Horta e Costa, actual vice-presidente do BESI.Nos EUA a comissão do Senado norte-americano que investiga as contas-fantasma de Augusto Pinochet, divulgou que o ditador chileno tinha uma conta aberta no BES Florida. O PÚBLICO não conseguiu obter uma reacção formal por parte dos responsáveis do Grupo."

In jornal O Público

Actualização

Obviamente o poder da família Espírito Santo na esfera política não é recente, pelo que em seguida publicamos, uma breve descrição da convivência de Ricardo Salgado com Salazar, que saiu na revista Sábado:

"SALAZAR E OS MILIONÁRIOS

Prólogo

Os encontros de domingo à noite
Primeira metade da década de 50. Oito da noite de domingo. Era esse habitualmente o momento reservado para os dois homens mais poderosos do país discutirem grande parte do destino de Portugal. No Palácio de São Bento ou no Forte do Estoril, António de Oliveira Salazar, então à beira dos 60 anos e a meio dos seus 40 anos no poder, recebia Ricardo Espírito Santo, onze anos mais novo.

Além de dirigir o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (BESCL), o banqueiro liderava a petrolífera Sacor, que esteve na origem da Galp, e controlava a seguradora Tranquilidade e as Sociedades Agrícolas do Cassequel e do Incomati, em Angola e Moçambique. As suas várias áreas de influência ajudam a explicar como se transformou num conselheiro especial de Salazar para todos os assuntos relacionados com economia, política, diplomacia e artes — e acabou por se tornar também um dos melhores amigos do presidente do Conselho.
Era muitas vezes Maria da Conceição, a protegida a que Salazar deu a alcunha de Micas, que abria a porta de São Bento a Ricardo Espírito Santo: «Tenho hora marcada», dizia-lhe ao entrar, como se precisasse de justificar a sua presença.

O presidente do banco cumprimentava Micas com um beijinho e oferecia-lhe com muita frequência bonecas, chocolates e até amêndoas na Páscoa. Ricardo Espírito Santo estacionava o carro no parque da residência oficial, pendurava o sobretudo no bengaleiro junto à porta de entrada e, se Salazar ainda estivesse ocupado, aguardava na pequena biblioteca junto ao gabinete do presidente do Conselho, no rés-do-chão. Mas raramente tinha de esperar. As conversas entre os dois podiam decorrer no gabinete ou enquanto passeavam pelos jardins de São Bento. Quando terminavam, o ditador acompanhava o amigo até à saída.

Estes encontros semanais entre os dois homens ficaram registados no diário que Salazar mantinha: um livro de capa vermelha e letras douradas onde resumia a sua rotina e indicava os principais assuntos abordados em cada audiência. A 14 de Maio de 1950, por exemplo, recebeu Ricardo Espírito Santo entre as 20h e as 20h45 e anotou à frente:
«Sua viagem e férias, saúde, alguma coisa de negócios».
Salazar só saiu de Portugal três vezes — foi a Paris na juventude e deslocou-se duas vezes à fronteira para se encontrar com Francisco Franco, o ditador espanhol. Aproveitava por isso os relatos das deslocações dos outros para satisfazer a sua curiosidade sobre o mundo. E Ricardo Espírito Santo todos os anos fazia longas viagens para tratar de negócios (do banco ou da empresa de petróleos), por motivos de saúde (frequentava termas), de férias (era praticante habitual de esqui e golfe) ou em busca de peças de arte nos antiquários e nos leilões. Foi esse o principal tópico que Salazar fixou no dia 17 de Dezembro de 1950, depois do encontro de uma hora e meia, das 19h30 às 21h00: «Dr. Ric. Espírito Santo - compras que fez em Roma de objectos de arte».

A situação da Sacor, criada pelo Estado em 1938 para intervir no mercado dos combustíveis, era discutida na maior parte dos encontros.
As entradas nas agendas de 1953 e 1954 revelam que falaram de «vencimentos dos administradores», de «conversas com ministro da Economia sobre terrenos de que a Sacor precisa» e de «como distribuir 37 500 contos a colocar entre portugueses [num aumento de capital]».

As relações com o romeno Martin Sain, o principal accionista da empresa de petróleo, eram alvo de grande atenção do presidente do Conselho. Além de abordarem os temas importantes da Economia como o plano de fomento ou o estado do mercado de capitais, é difícil encontrar um grande investimento que não tenha sido escrutinado e, mais do que isso, aprovado, nestes encontros rotineiros de domingo à noite. Analisaram a criação da TAP em 1953, a lapidagem de diamantes em Portugal, o apoio à empresa de Siderurgia, que António Champalimaud começou a negociar com o Governo em 1952, e a fundação da sociedade de milionários que iria financiar aquilo a que Salazar chamava «o novo grande hotel de Lisboa» — o Ritz, que só seria inaugurado em 1959, quatro anos depois da morte do banqueiro.

A folha de 3 de Março de 1953 revela que Salazar recebeu Ricardo Espírito Santo e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Cunha, às sete e meia da tarde e que discutiram a prenda que o governante deveria oferecer a Franco, no encontro seguinte com o generalíssimo espanhol. Uma hora depois, o ministro saiu mas o banqueiro ficou. Durante mais uma hora, até às 21h30, relatou a Salazar os bastidores da inauguração do seu museu de artes decorativas, cuja cerimónia decorrera nessa semana, intencionalmente a 28 de Abril, para homenagear o presidente do Conselho no seu dia de aniversário.

O costume estava tão enraizado que quando o ditador cancelou um dos encontros semanais, em 1951, Ricardo Espírito Santo manifestou por carta a sua grande tristeza. «Tenho muita pena de não ir aí hoje, a nossa conversa dominical é para mim o maior prazer da semana, mas obedeço na esperança de que serei compensado.» E, em Abril do ano seguinte, quando, por estar na Suíça, foi o empresário a não poder comparecer, enviou outra mensagem. Sugeria que Salazar recebesse Mário de Sousa, administrador do Banco Fonsecas, Santos & Viana, para discutir novas medidas relacionadas com as exportações, mas frisava a importância que atribuía a estes encontros: «Eu agradeço (e não lhe levo a mal!) se lhe dispensar meia horazita de um fim de tarde de domingo, desses fins de tarde que eu tanto aprecio e que quase sempre são o melhor prémio para mim, de uma semana de trabalho! Como vê nem de longe o deixo em paz!

Despediu-se com um post-scriptum que comprovava a sua intimidade com António Ferro, embaixador em Berna e antigo responsável pelos serviços de propaganda nacional, e com as duas mulheres que viviam na casa do ditador — a governanta e a pupila: «P.S. — Peço o favor [de] dar minhas lembranças a dona Maria, e Maria Antónia. O Ferro gostou muito da carta de vossa excelência.»



Quando estava fora do país, o banqueiro esforçava-se por manter a comunicação de domingo com o governante, que anotava estas chamadas no diário com igual deferência: «Pelo telefone, vários e dr. Ric. Esp. Santo».
Em 1954, Ricardo Espírito Santo acompanhou o presidente da República, Craveiro Lopes, numa viagem de barco a Angola e São Tomé e Príncipe. Esteve fora sete domingos: apenas num não conseguiu enviar telegramas dirigidos a «sua excelência o presidente do Conselho» e assinados, simplesmente, Ricardo. Nos seis que enviou, a falta que sentia dos encontros com o ditador foi sempre manifestada de forma crescente: «Sigo bem mas com saudades», escreveu no segundo, a 31 de Maio; a 20 de Junho, manifestava-se «cheio de saudades»; na mensagem do domingo seguinte lia-se: «As saudades são cada vez mais maiores»; e no último notava-se o alívio por estar quase a regressar: «Vou mais contente a pensar que se os deuses nos forem propícios estarei aí no próximo domingo e poderei matar as saudades que já pesam no meu coração. Gostei muito de o ouvir e espero que este já o encontrará no forte.»

Neste telegrama, Salazar anotou a azul a instrução: «Saber quando chega o barco». Um funcionário responderia a lápis: «Chega domingo, dia 11 [de Julho], ao meio-dia». E foi nesse domingo às 19h15 que se reencontraram, no forte de Santo António, no Estoril. Até às 21h00, Salazar recolheu informações sobre o negócio do açúcar e «outros assuntos de África», e, claro, quis saber tudo sobre o que ficou descrito no diário como uma «viagem formidável»."

In revista Sábado



O banqueiro Ricardo Espírito Santo, avô do actual presidente do BES Ricardo Salgado, teve nos anos 40 várias intervenções no universo da espionagem, expressas nas cartas que escreveu a Salazar – as principais são divulgadas pela SÁBADO esta quinta-feira na edição impressa.
A 30 de Dezembro de 1944, já perto do fim da II Guerra Mundial, o banqueiro desejou feliz ano novo ao ditador com um pedido misterioso: “Cumprindo as ordens de Vossa Excelência, junto remeto uma nota com o nome da pessoa que está ausente na sua pátria e cujo regresso conviria impedir”. Um pequeno envelope à parte contém um cartão com o nome Nassenstein, escrito a azul, em maiúsculas e sublinhado.

Cecil Nassenstein era um agente alemão da Gestapo também conhecido por Adolf Nogenstein. Foi colocado em Lisboa em 1942 como diplomata, mas a sua missão era vigiar os espiões americanos e ingleses e decifrar os seus códigos. Sabia falar pelo menos dez línguas (inglês, alemão, francês, português, espanhol, russo, italiano, grego, latim e servo-croata), contou à SÁBADO a neta do espião - Stéphanie Nassenstein, 37 anos, é actualmente uma das responsáveis pelos programas do Forum Económico Mundial, que reúne todos os anos os líderes do Mundo em Davos.
Os relatórios dos serviços secretos britânicos divulgados pelos arquivos nacionais daquele país descrevem-no como um elemento-chave da Gestapo em Portugal. Pode ler uma síntese desses documentos clicando aqui
O pedido de Ricardo Espírito Santo não teve sucesso e o espião conseguiu reentrar em Portugal, onde viveu clandestinamente até 1947, quando foi capturado pela PIDE numa casa da António Augusto Aguiar, em Lisboa.
Estava armado, tal como o agente Herbert Wissmann, que se suicidou com cianeto antes de ser capturado. Nassenstein também tentou matar-se várias vezes, mas foi enviado para Inglaterra durante dois anos, e depois para um campo alemão.
Antes de morrer em 1981, dirigiu uma empresa de plásticos para enchidos e teve um último contacto com o universo da espionagem em 1972: a pedido do governo e com ajuda da Cruz Vermelha, organizou uma troca de espiões em Berlim: devolveum um russo para receber um alemão, que era seu parente afastado e morreu pouco depois de atravessar a ponte.

O banqueiro era um agente alemão para o MI6
Aquela carta de Ricardo Espírito Santo não foi um acaso. Em Abril de 1945, o banqueiro enviou a Salazar quatro relatórios secretos (dois em inglês e dois em francês) sobre “o problema alemão em Portugal após a guerra”, onde se desvenda a presença de 10 agentes da Gestapo no país, que poderiam liderar um movimento clandestino. Os documentos revelam também os planos alemães para organizar a resistência após a derrota na II Guerra.
No livro “Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial”, Irene Pimentel escreve que o banqueiro era um germanófilo: “O MI6 considerava ‘holy ghost’ (espírito santo, em inglês), um agente alemão”. E há registo de um telegrama do embaixador alemão em Madrid enviado ao ministro dos Estrangeiros, que refere o banqueiro português como confidente dos alemães.
Ricardo Espírito Santo já tinha tido um papel importante em 1940 ao acolher os duques de Windsor a pedido do governo português, numa altura em que os alemães chegaram a preparar uma operação para os raptar da casa do banqueiro no Estoril. O plano não se concretizou e os duques embarcaram para as Bahamas, tal como desejava o líder britânico Winston Churchill.



Banco Espírito Santo na lista negra
Durante a II Guerra o Banco Espírito Santo foi posto na lista negra dos aliados por negociar com os alemães. Já depois do conflito, Ricardo Espírito Santo mandou a Salazar um relatório sobre a importância da radiodifusão na II guerra mundial assinado por Humberto Breisky, um nome muito parecido com o de Hubert Von Breisky, encarregado de negócios da Embaixada da Alemanha em Lisboa. (Hubert Von Breisky era o pai do barão Stephan Von Breisky, que ficou conhecido por aparecer nas revistas sociais ao lado de Elsa Raposo). Seguiram-se vários relatórios, não assinados, sobre o que diziam as várias emissoras internacionais sobre Portugal.
Para ajudar a explicar a quantidade de informações confidenciais a que tinha acesso, fonte próxima da família recorda que Ricardo Espírito Santo era um frequentador assíduo das várias embaixadas e cultivava relações de proximidade com diplomatas de vários países, do lado alemão e do lado dos aliados. Segundo o livro “O banco espírito santo, uma dinastia financeira portuguesa”, de Carlos Alberto Damas e Augusto Ataíde, o banqueiro falava sete línguas e foi até convidado em 1950 para ser embaixador de Portugal no Vaticano, mas recusou.

In revista Sábado



1906

Luta & Resiste!

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